Escrito em 1881, "O Alienista" é uma das mais brilhantes obras de Machado de Assis. Publicado inicialmente na coletânea Papéis Avulsos, o conto une humor, crítica social e reflexões filosóficas, abordando questões como ciência, loucura e abuso de poder. A narrativa segue o médico Simão Bacamarte, que funda o manicômio Casa Verde em Itaguaí, transformando-o em um símbolo de autoritarismo e exclusão social.
Resumo da Obra
Simão Bacamarte, obcecado por entender a mente humana, começa a internar pessoas com comportamentos considerados "anormais". Inicialmente, seus critérios são fundamentados na medicina, mas rapidamente se tornam arbitrários, abrangendo qualquer traço fora do padrão. Conforme a população internada cresce, os habitantes de Itaguaí passam a questionar a própria sanidade do médico. No desfecho irônico, Bacamarte conclui que ele próprio é o único desequilibrado e decide se internar.
A obra é uma sátira à racionalidade extrema e ao autoritarismo, além de uma crítica às estruturas sociais que marginalizam os "diferentes". Por meio de uma narrativa engenhosa, Machado de Assis constrói uma alegoria que ainda ressoa nos debates contemporâneos.
Contexto Histórico e Inspirações
Em 1881, Machado, já consagrado na literatura brasileira, estava casado com Carolina Augusta Xavier de Novais. O conto reflete o clima intelectual do século XIX, quando a ciência começava a ser utilizada como instrumento de poder, frequentemente legitimando exclusões sociais. Embora não existam indícios de que Machado tenha se baseado em eventos históricos específicos, "O Alienista" dialoga com práticas de exclusão, ocorridas posteriormente a publicação do livro, semelhantes a casos denunciados no "Holocausto Brasileiro" e nas Magdalene Laundries.
Paralelos com Histórias Reais de Exclusão
Holocausto Brasileiro: O Caso do Hospital Colônia de Barbacena
Fundado em 1903, o Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, tornou-se um símbolo de abuso institucional. Como denunciado pela jornalista Daniela Arbex em Holocausto Brasileiro (2013), cerca de 60 mil pessoas morreram no local. Internadas por motivos alheios à saúde mental — como pobreza, gravidez fora do casamento ou desafetos políticos —, essas pessoas enfrentaram condições desumanas. Muitas vezes, seus corpos eram vendidos para universidades, enquanto os sobreviventes sofriam maus-tratos e negligência. Assim como na Casa Verde, a exclusão social era disfarçada de tratamento médico.
Magdalene Laundries na Irlanda
Até 1996, quando a última delas foi fechada na Irlanda, as Magdalene Laundries abrigaram mulheres "problemáticas" sob o disfarce de instituições moralizadoras. Essas lavanderias católicas submetiam mulheres a trabalhos forçados, abusos e isolamento. Apesar de diferentes no contexto, guardam similaridades com a Casa Verde, sendo ambas instituições que mascaravam repressão sob o pretexto de cuidado e reabilitação.
Reflexões Contemporâneas
Machado de Assis antecipou, de forma magistral, os perigos da medicalização excessiva e do autoritarismo institucional. Hoje, comportamentos naturais frequentemente recebem diagnósticos psiquiátricos e tratamentos desnecessários, ampliando os limites do que consideramos "normalidade". Assim como Bacamarte ampliou seus critérios de loucura, a sociedade moderna caminha para uma padronização excessiva das experiências humanas.
O Alienista dialoga com práticas semelhantes às denunciadas no "Holocausto Brasileiro", o caso do manicômio de Barbacena, Minas Gerais. Por décadas, milhares de pessoas sem doenças mentais reais foram internadas no local por motivos políticos, sociais ou de conveniência, incluindo pobres, mulheres grávidas fora do casamento e desafetos de autoridades. Muitas dessas pessoas foram submetidas a maus-tratos, negligência e até mortes.
Hoje, vivemos em uma era em que comportamentos normais são frequentemente rotulados como distúrbios mentais. Tristeza vira depressão; ansiedade, uma doença crônica. Como Bacamarte ampliou os critérios de loucura, a sociedade moderna estende diagnósticos e medicações para experiências humanas naturais, caminhando para uma normatividade quase robótica. Machado antecipou, com ironia, os perigos dessa medicalização excessiva que vivemos nos dias atuais.
Impacto e Relevância
"O Alienista" não é apenas uma obra de entretenimento, mas também um convite à reflexão sobre os limites do poder e os perigos da exclusão social. Sua mensagem transcende o tempo, encontrando eco em eventos históricos como Barbacena e nas Magdalene Laundries, além de dialogar com questões contemporâneas sobre a patologização da vida.
Leituras e Fontes Complementares
Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, traz detalhes sobre os horrores vividos no Hospital Colônia.
Documentário baseado no livro de Arbex, com depoimentos de sobreviventes e familiares.
Small Things Like These (Coisas Pequenas como Estas), de Claire Keegan, aborda as Magdalene Laundries por meio de narrativa ficcional.
Além de outros pesquisas na própria internet sobre as Magdalene Laundries na Irlanda.
Machado de Assis, com sua genialidade, criou uma obra que denuncia instituições repressoras e questiona os limites da ciência e da moralidade. "O Alienista" segue sendo um marco literário e um alerta atemporal para os perigos do abuso de poder.
Sobre "Small Things Like These" - (Nesse vídeo é falado um pouco sobre o livro, fictício, que fala sobre as Magdalene Laundries na Irlanda:
Henrique Melo - Rede Sertão PB
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